Entrevista: Barbara Bruns
Fonte: Veja
Representante do Banco Mundial para o setor, a americana prega choque de gestão e foco no ciclo básico para aprimorar educação brasileira
Nathalia Goulart
Em visita a São Paulo, Barbara Bruns fala sobre a qualidade do educação no Brasil (Alexandre Ondir/Todos Pela Educação)
O Plano Nacional da Educação (PNE), em discussão no Congresso Nacional, prevê que o país invista o equivalente a 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação pública. Alguns especialistas querem uma fatia ainda maior: 10%. Barbara Bruns, economista chefe para educação do Banco Mundial para a região da América Latina e Caribe, nada contra essa maré. "O importante não é gastar mais, mas gastar de forma mais eficiente", diz a americana. Uma constatação que sustenta essa posição é o fato de os países membros da OCDE, os mais desenvolvidos do mundo, investirem menos do que o Brasil no setor: são 4,8% ante 5% dos PIBs nacionais, respectivamente. Deduz-se que não é por falta de dinheiro que a educação pública brasileira deixa muito a desejar. Dados da Corregedoria Geral da União (CGU), por exemplo, mostram que 35% dos municípios auditados apresentaram irregularidades na utilização dos recursos destinados à educação. Outra prática local que a especialista condena: a ênfase na educação superior. Um estudante universitário brasileiro custa aos cofres públicos seis vezes mais do que um aluno do ciclo básico. As conlusões de Bruns estão presentes no relatório Atingindo uma Educação de Nível Mundial no Brasil: Próximos Passos, que mostra as lições de casa que o país ainda tem a fazer - confira no quadro as principais conclusões do Banco Mundial. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Bruns concedeu ao site de VEJA.
A senhora visita o Brasil com frequência. Quando o assunto é educação, o que mais ouve aqui? Uma coisa que ouço muito dos brasileiros que estão preocupados com a educação é que é necessário aumentar os gastos com educação. Dados globais não apoiam esse pensamento. O Brasil já gasta uma parte relativamente alta do PIB em educação pública - mais do que a média da OCDE e muito mais do que o Chile, por exemplo. O importante para o Brasil não é gastar mais, mas gastar de forma mais eficiente.
Como o Brasil poderia fazer melhor uso desse dinheiro? Duas coisas devem ser mencionadas: a forma de financiamento do ensino superior e o mau uso do dinheiro pelos municípios. No ensino superior, o padrão de gastos do Brasil é muito diferente do de outros países. Em todas as nações da OCDE, a relação entre gastos públicos com estudantes universitários e com alunos do ciclo básico é de dois para um. No Brasil, é de seis para um. A segunda preocupação são as evidências de que parte dos recursos da receita tributária destinada à educação não consegue chegar às salas de aula. A CGU constatou que até 35% dos municípios auditados apresentam irregularidades na forma de utilização dos recursos para a educação. Parte disso é resultado de uma má gestão, e não necessariamente de corrupção. Mas o fundamental é que o financiamento tem que chegar até a sala de aula. É na sala de aula que os recursos da educação se transformam em aprendizado.
Como reduzir seus gastos no ensino superior mantendo a qualidade do ensino? Em diversos países, os estudantes de universidades públicas de alta qualidade têm que pagar por parte da sua educação – seja por meio de pagamento de mensalidades ou de empréstimos. Isso faz todo o sentido quando pensamos que o mercado de trabalho lhes dará o retorno financeiro desse investimento.
A senhora diz que o Brasil é um grande laboratório de experiências educacionais bem-sucedidas. Como podemos aproveitar melhor esse potencial? O Brasil realmente é um laboratório de inovações educacionais – em níveis federal, estadual e municipal. Mas eu não diria que são todas bem-sucedidas. O fato é que ninguém sabe, porque a maioria dos programas não é avaliada. Avaliações rigorosas permitem aos governos ampliar os investimentos nos projetos que deram certo e cortar verba daqueles que fracassaram. Alguns estados, como Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e também o município do Rio, já começaram a avaliar rigorosamente seus principais programas na área da educação, como, por exemplo, a bonificação de professores. (Continue a ler a entrevista)
As taxas de reprovação no Brasil estão entre as mais altas do mundo. Por que o sistema brasileiro ainda repete tanto seus alunos? Os professores no Brasil estabelecem padrões elevados para seus alunos. Se os alunos não podem atender a esses padrões, eles são obrigados a repetir. Entretanto, a maioria dos países tem se movido em uma direção oposta: um bom professor é aquele que acredita que toda criança pode aprender e que trabalha duro para apresentar o currículo de forma que cada criança de fato aprenda o conteúdo. Isso não é fácil, mas é a marca de um professor realmente excelente. Há muitos exemplos de professores assim no Brasil. É uma questão de garantir que as escolas de formação de professores, programas de formação em serviço e incentivos aos professores transformem isto em uma norma.
Isso é um obstáculo para o avanço da educação no Brasil? Sim. A taxa média de reprovação no Brasil – cerca de 20% na educação básica – é de longe a maior da América Latina, cuja média regional é de cerca de 10%. Apenas alguns países africanos muito pobres ainda seguem um padrão tão alto de repetência. Forçar os alunos a repetir é uma estratégia de ensino muito ineficiente. Isso desanima os estudantes, mina a sua autoestima e, muitas vezes, leva ao abandono precoce. Do ponto de vista do sistema, isso significa que milhões de reais e espaços escolares são ocupados por repetentes. Com uma menor repetência, para a mesma quantidade de gastos, as escolas poderiam oferecer tempo integral e mais materiais na sala de aula. Muitos secretários de educação no Brasil compreendem isso e estão se esforçando para mudar a cultura dos professores. É surpreendente para mim que os dados não mostrem ainda grandes progressos.
O ensino médio é etapa mais alarmante da educação básica, com alta evasão de estudantes. É um desafio só do Brasil? Não, é um desafio mundial. Isso porque o ensino médio apresenta dois desafios fundamentais. Primeiro, as escolas de ensino médio na maioria dos países têm de preparar alguns alunos para o ensino universitário e outros para ingressar diretamente na força de trabalho. Encontrar esse equilíbrio é difícil. E preparar os alunos para o trabalho é especialmente difícil em uma economia globalizada, onde as mudanças são rápidas. Isso exige previsão da demanda por trabalho, o que pode mudar rapidamente. Sistemas públicos de ensino em particular enfrentam muitos problemas, uma vez que não são, em geral, muito dinâmicos. Em segundo lugar, o ensino médio lida com os alunos numa época difícil de suas vidas – eles estão em processo de autodescoberta e têm autonomia para se engajar em comportamentos de risco, como o consumo de drogas. Muitas vezes, a escola é a última coisa na mente dos alunos. Por isso, tornar a escola um ambiente acolhedor é crucial.
Pesquisas de opinião indicam que o brasileiro sente que o avanço da educação é lento e que os resultados são pouco palpáveis. Que tipo de avanço nos permite ver que a educação de fato tem avançado? A melhor prova é a melhoria que o Brasil alcançou nos resultados da avaliação Pisa na última década. O desempenho em matemática é o maior já registrado, e a evolução combinada em matemática e língua é a terceira maior já vista pela OCDE.
Que fatores contribuíram para esse desempenho? Em primeiro lugar, a reforma no financiamento com a criação do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) – posteriormente batizado Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) – tornou o financiamento da educação mais equilibrado. Em segundo lugar, a introdução de um sistema nacional de avaliação, composto inicialmente pelo Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e posteriormente pela Prova Brasil e Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), permitiu que os formuladores de políticas públicas recebessem informações claras sobre a qualidade do aprendizado. Em terceiro e último lugar, os programas de transferência de renda como o Bolsa Escola (convertido em Bolsa Família) são uma ferramenta que ajudou famílias pobres a manter seus filhos nas escolas.
Apesar desse desempenho reconhecido, as escolas privadas ainda avançam mais rapidamente do que as públicas – o próprio Pisa mostra isso. Com é possível superar essa defasagem entre os sistemas privado e público? Em todos os países, existe uma elite de escolas privadas cujo desempenho está muito acima da média. Isso porque elas podem cobrar mensalidades altas e selecionar os estudantes mais bem preparados. Por outro lado, as escolas públicas podem – e devem – melhorar seu desempenho.
O que o Brasil tem a aprender com países como Chile, que avançam mais rapidamente em educação? Uma das diferenças mais importantes no Chile é a forma de uso dos recursos públicos e privados no ensino superior. Lá, os alunos tomam empréstimos para pagar sua educação, estejam eles matriculados em universidades públicas ou privadas. Isso ajudou o Chile a alcançar uma taxa muito mais elevada de participação no ensino superior (cerca de 30% em relação a 15% no Brasil) e a gerar os recursos para o aumento sustentado na qualidade. Mas há grandes semelhanças entre Brasil e Chile também. São os dois países na América Latina que estão trabalhando mais fortemente para melhorar a educação – com excelentes sistemas para medir e premiar resultados e constante inovação nas políticas. Eu acho que ambos estão vendo o retorno dos seus esforços na pontuação crescente do Pisa.
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