Como prometi aos meus alunos e pelo retorno que obtive dos visitantes deste blog, segue mais um projeto bem adequado, englobando a transdisciplinaridade.
Autor: Vicente de Carvalho Delorme
O plano de aula que será apresentado a seguir se baseia na criação de um roteiro teatral que não só busca facilitar a compreensão dos alunos, mas também que seduzi-los a buscar um aprendizado que lhes é importante, cuja complexidade será gradativa e cumulativamente construída por meio das etapas da encenação.
Em paralelo à apresentação dos atos que representam cada passo dessa gradação teatral, será desenvolvida uma análise crítica vinculada, primariamente, a certa disciplina e, secundariamente, às disciplinas de modo geral – ou seja, fomentando-se a transdisciplinaridade. Para fins didáticos, as cenas e suas respectivas observações foram divididas em etapas.
Etapa I
Para dar início à encenação, foi escolhida uma imagem que estivesse em nossa rota de aprendizagem. Trata-se de um personagem que toma certa bebida, que será tratada – hipoteticamente – como uma cerveja. Nesse primeiro passo, de forma ainda muito simplória, podem ser apontados (no campo a Biologia) pontos positivos ou negativos decorrentes do consumo da bebida.
Etapa II
Em um segundo passo, podemos refazer a cena adicionando a ela o fato de a personagem se dirigir a um estabelecimento para comprar tal produto. Agora, a observância biológica não precisa ser repetida, o que poderá dar lugar a outras formas de apreciação. Entre os exemplos, podemos citar: uma análise relativa à Matemática, vinculada ao valor do produto, ao valor que um usuário gasta por mês ao consumi-lo, à diferença entre o “valor de fábrica” e o “valor de mercado”, etc.
Etapa III
Agora, adiciona-se à cena o fato de o produto estar fortemente estragado, o que proporcionaria ao consumidor a possibilidade de contestar – junto à loja que vendeu ou à fábrica que o produziu – uma indenização. Nessa etapa, far-se-á uma reflexão crítica acerca do equilíbrio e da organização das relações sociais, o que direcionará a conversa rapidamente para os ramos da Sociologia e do Direito.
Etapa IV
Após isso, pode-se incluir a descoberta de que o personagem (o consumidor da cerveja) tenha apenas 17 anos. Com esse novo ponto de vista, a análise jurisdicional relacionada ao Direito pode tomar outros rumos e questionamentos: de acordo com o princípio social relativo à Ética, o personagem merece receber alguma indenização por ter consumido uma bebida alcoólica estragada? Como isso poderia ser solucionado de forma a respeitar outro princípio social, o de Justiça?
Etapa V
Dando sequência à cena, o adolescente tenta se defender justificando que só comprou a cerveja porque as propagandas eram muito sedutoras e sugeriam – capciosamente – que ele seria mais bem tratado pelas mulheres, caso estivesse com cerveja. Esse novo fato direciona nossa análise para outros campos: a Linguística, a partir da qual serão explorados valores argumentativos do discurso publicitário; a Sociologia, a partir da qual será feita uma análise sobre o comportamento consumista oriundo do capitalismo; e a História, a partir da qual serão discutidas a origem das relações de consumo e a incorporação do espírito consumista nas sociedades.
Uma vez que cada cena foi apresentada e discutida particularmente, é importante notar o objetivo didático da atividade como um todo. Nela, o aluno terá a capacidade de notar que um ato qualquer do cotidiano, por mais simples que seja, pode absorver diversos campos do conhecimento, comprovando a transdisciplinaridade do roteiro desenvolvido.
Com isso, fica clara a importância da análise dessas cenas em uma apreciação mais ampla e coletiva, em detrimento da análise meramente particular de um único campo do conhecimento. A necessidade de valorizar a ação como um todo advém da ideia óbvia de que nenhuma ação do cotidiano começa e terminar por si só, sem ter uma causas e/ou sem deixar conseqüências. Isso favorece a tese desenvolvida por alguns de que “o mundo moderno é transdisciplinar”.
Para que essa atividade seja valorizada pelos alunos, é interessante notar que, conforme defende Aloyseo Bzuneck, ela tem a indiscutível capacidade de seduzir os alunos. Uma razão para isso é o fato de se tratar de uma cena comum ao ambiente dos adolescentes, de modo que a tematização, por si só, já lhes seja atraente. Além disso, ainda com base nos conceitos de Bzuneck, outro fator capaz de facilitar a motivação dos alunos é a possibilidade de ver um significado para a apreensão do conhecimento, o que ocorre pelo fato de cada explicação vir sempre (claramente) atrelada a uma ação cotidiana.
Outra maneira sedutora de se fomentar a aproximação entre os alunos e essa forma de aprendizado consiste na possibilidade de ela despertar o interesse pessoal deles, seja profissional, seja cultural. Nesse caso teatralizado, poder-se-ia atrair a atenção daqueles que valorizam mais a Língua Portuguesa, a História, a Biologia, a Matemática, a Sociologia, o Direito etc. Isso, de modo geral, possibilita não só que o aluno amplie a sua capacidade de analisar criticamente situações quaisquer, mas também de se projetar sobre elas em função de seus anseios. Para comprovar isso, o aspirante a advogado pode se mostrar mais interessado pelas etapas III e IV, enquanto o aspirante a empresário (que ingressará no ramo da Engenharia, da Economia ou da Administração de Empresas) deverá se mostrar mais interessado pela etapa II, que é superficialmente relativa à Logística.
Desse modo, ao fim da atividade, mesmo que a razão para sedução dos alunos possa ter origens distintas, nota-se que o objetivo maior parece ter sido esclarecido, de modo que todos tenham sido levados a analisar criticamente – tanto de forma micro, quanto macrodisciplinar – as cenas e, como consequência, os conceitos que delas derivam. Com isso, adquire-se a certeza de que as ciências devem ser atreladas a questões próximas à sua realidade e a importância de apreciar coletivamente – isto é, como é sugerido pelo mercado atual – as situações cotidianas.
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